A incapacidade da economia nacional de gerar empregos dignos parece estar cada vez mais distante de fazer jus às expectativas das famílias angolanas, que acabam a enfrentar as hostilidades do sector informal para escapar à pobreza, fenómeno multidimensional e multifacetado
O Índice de Pobreza Multidimensional de Angola (IPM-A), publicado em 2020, concluiu que uma em cada duas pessoas (54,0%) vive em pobreza multidimensional e sofre, em média, cerca de metade das 16 privações relacionadas com a saúde, a educação, a qualidade de vida e o emprego, o que leva a questionar os efeitos concretos do PRODESI na economia real.
Aprovado pelo Executivo através do Decreto Presidencial n.º 169/18 de 20 de Julho, o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações, que visa acelerar a diversificação da economia, gerar riqueza e emprego digno, “falhou por não (…) apostar na competitividade”, de acordo com o Heitor Carvalho, director do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada Angola (CINVESTEC).
Para o economista, os últimos cinco anos foram marcados negativamente por dificuldades estruturais de mercado, antevendo, por isso, um agravamento da situação macroeconómica por conta de questões que não foram resolvidas nem pelo PORDESI, nem por outro programa estruturante gizado pelo Executivo na última legislatura. “Em termos do ambiente de negócios continua sem se resolver o problema da titularidade da terra e construções e da sua livre comercialização; as normas de funcionamento da economia continuam complexas, dispersas e muito pouco ajustadas ao nível das nossas empresas e à capacidade de aquisição dos angolanos, empurrando cada vez mais negócios para a informalidade”, afirma Heitor de Carvalho, para quem a política comercial ainda “é errática”, uma vez que por um lado proíbe e por outro promove as importações. Tal incompatibilidade contribuiu, na visão do especialista, para a incapacidade de recuperação total dos níveis de produção de 2019 até ao final da legislatura passada.
Deste modo, entende que o investimento nacional e estrangeiro, que devia alavancar a economia e gerar mais empregos fora do sector informal, sofre ainda com os embates do “primado das ordens superiores e da autoridade sobre o primado da Lei”.
De acordo com a fonte, o último quinquénio (2017-2022) foi também marcado por uma política monetária contraccionista, sem discriminação positiva do fomento do crédito à actividade, o que na óptica do especialista fez estagnar a produção.
Heitor Carvalho considera ainda que a política cambial tornou a taxa de câmbio “totalmente dependente dos rendimentos petrolíferos e da intervenção do Estado no mercado cambial, desligando-a da variação da nossa produtividade face à produtividade externa”. Apesar disso, dá mérito ao Banco Nacional de Angola (BNA) pelo melhoramento da taxa de câmbio real relativamente à situação de 2017.
O economista fez saber ainda que a política fiscal conduziu o país para a elaboração, aprovação e execução de um Orçamento Geral do Estado (OGE 2024) “completamente dependente da dívida com uma taxa de esforço de 97% e um peso dos juros sobre a despesa de 30%”. “A receita é totalmente dependente dos rendimentos petrolíferos, que atingem um peso de 60% nas execuções de 2022 e 2023”, sinaliza em entrevista à revista Líder.
Alguns avanços na agricultura
No entender de António Abel, docente universitário da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade José Eduardo dos Santos, os últimos cinco anos foram marcados por alguns avanços assinaláveis na política macroeconómica nacional, entre os quais a importância dada pelo Executivo à agricultura, o que estimulou o surgimento de projectos que contribuem para mudança deste sector.
“Destaco também o Agro-PRODESI, que visou contribuir para o objectivo nacional de aumentar a produção nacional através do aumento das cadeias de valor priorizadas e do envolvimento dos actores do mercado com os pequenos agricultores ao longo dos Corredores de Crescimento Económico, o Projecto de Desenvolvimento à Agricultura Comercial (PDAC) (…) o Programa de Produtividade Agrária para África Austral (APPSA), (…) e o Projecto da Agricultura Familiar e Comercialização (MOSAP)”, sublinha.
“Neste período existiram avanços a assinalar, mas o cenário ainda é de muitos desafios”, acrescenta o docente, realçando a burocracia que ainda persiste nos processos de legalização e acesso à terra, o mau estado das vias de acesso, a falta de electrificação, a tradição agrícola de produzir apenas para o mercado informal e o ineficiente funcionamento dos parques industriais como exemplos de desafios a superar no sector agrícola.
António Abel entende, por isso, que tais factores contribuíram para o quadro actual da agricultura ao verificar-se, em 2023, aumento de cerca de 6% e de 82% na dotação orçamental para a agricultura no OGE 2024.
“Destaca-se o facto de terem sido identificadas as cadeias de valor prioritárias e apresentadas como necessárias para impulsionar todas as cadeias de valor em todas as províncias. Isto permitiu mostrar o caminho longo a percorrer para a estruturação funcional das cadeias de valor com vista ao desenvolvimento integrado e sustentável da agricultura nacional”, afirma, ainda.
Promover a competitividade
O director do CINVESTEC refere que o programa de diversificação da economia tem por base uma “protecção cega da produção interna”, quando devia apostar, fundamentalmente, na melhoria da competitividade e do preço, mas reconhece que “há algumas acções na direcção certa, como uma maior preocupação no apoio aos investimentos privados, bem como com a compra de insumos e de bens de produção, numa tímida tentativa de melhorar os níveis de crédito”. Em geral, explica, “o programa é demasiado tímido e é, hoje, muito carente de meios, porque os juros levaram, no OGE 2024, a um corte drástico na despesa de apoio à economia por parte do Estado”.
De acordo com o economista, a produção interna será cada vez mais rejeitada, o que reduz a procura ao essencial: “Isso reduzirá ainda mais a qualidade e aumentará o preço numa espiral negativa. A solução é aumentar a competitividade. Nunca os produtores são iguais. Há os bons e os maus produtores. Num ambiente onde a concorrência é limitada por imposições administrativas, todos os produtores são protegidos. Não há incentivo para melhorar”.
Em sentido contrário, defende, quando há concorrência, a tendência é a contrária, uma vez que os piores produtores são obrigados a aproximarem-se dos melhores, concorrendo para a redução dos preços e aumento da qualidade.
Heitor Carvalho considera, por isso, que a forma correcta de protecção da produção interna deve promover a competitividade. Por isso, deve-se “colocar a produção externa a fazer o papel da concorrência que ainda não temos internamente, criando um sistema de protecção aduaneira (taxa de câmbio, mais os custos e taxas aduaneiras) que coloque o preço dos produtos externos acima do dos melhores produtores, mas abaixo do dos piores. Os piores produtores ver-se-ão obrigados a melhorar, colando-se à qualidade e preço dos melhores produtores, altura em que a protecção aduaneira poderá ser reduzida e haverá uma tendência constante para a redução de preços e aumento da qualidade, isto é, aumentará a produtividade da produção interna, tornando-a mais capaz de enfrentar a concorrência externa”.
Na visão do economista, o país estará em condições competitivas face ao mercado externo quando a protecção aduaneira for desnecessária. Deste modo, entende haver “boa capacidade” de satisfazer a procura interna e concorrer nos mercados internacionais. “Este é o caminho que devemos fazer, e não o que temos estado a fazer. Evidentemente que é necessário que o Estado faça a sua parte, melhorando todos os aspectos do ambiente de negócio”, realça.
Caso não se venha a melhorar a competitividade, a produção interna será sempre confrontada com os produtos importados. “Mesmo que sejam totalmente proibidos os produtos externos que produzimos, se a qualidade e preço do que produzimos perder claramente em qualidade e preço, encontrar-se-ão sempre produtos substitutos externos, reduzindo a procura da produção interna. Seja como for, a produção interna será indesejada”, considera Heitor Carvalho.
Pobreza e informalidade
Os níveis acentuados de pobreza provocados pela incapacidade da economia de gerar riqueza real face ao crescimento exponencial da população (que cresce cerca de 3,1% ao ano desde 2014), atirou já cerca de 75% da população para a informalidade. O Executivo estimou, no Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN 2018-2022), um peso superior a 40% da informalidade na economia nacional.
A informalidade suscita dilemas e revela paradoxos relativamente às razões pelas quais deve ser consentida ou combatida pelos governos, diz o relatório do Inquérito às Organizações Profissionais Representantes de Actores da Economia Informal (IOPREI), consultado recentemente pela Líder.
Se, por um lado, a informalidade deve ser consentida porque assegura o emprego, por ser uma alternativa de criação de riqueza, por proporcionar preços baixos e alternativas comerciais competitivas e por permitir inserir os pobres no consumo e melhorar o poder de compra, por outro, porém, deve ser combatida porque promove a concorrência desleal, estimula o roubo, penaliza quem opta pela legalidade, reduz a capacidade produtiva nacional, financia o crime organizado e não facilita o investimento em tecnologias modernas.
Tal como a pobreza, a transversalidade e a complexidade da informalidade — cujo crescimento impacta negativamente no desenvolvimento das empresas formais por conta da concorrência desleal na arrecadação de receitas públicas bem como na formulação de políticas económicas, sociais e ambientais exequíveis — é um dos grandes desafios do Executivo angolano, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2014).
“A economia informal caracteriza-se por défices elevados de trabalho digno e por uma parte desproporcionada de trabalhadores pobres”, lê-se no documento. Em alguns países, descreve a organização, os trabalhadores da economia informal são excluídos da cobertura por benefícios económicos e sociais convencionais.
O Executivo espera que o país possa ter mais jovens empregados nos próximos quatro anos, com o aumento da taxa de empregabilidade de 36 para 41%, conforme espelha o Plano de Desenvolvimento Nacional 2023-2027, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 225/23 de 30 de Novembro.
Deste modo, as autoridades governamentais estimam que a taxa de desemprego venha a diminuir de 30 para 25%, conforme o Programa do Emprego, Empreendedorismo e Formação Profissional de 2023-2027, que olha com bons olhos para o crescimento económico real anual médio de cerca de 3%, com o Produto Interno Bruto (PIB) não-petrolífero a crescer 4,6% por ano, compensando deste modo a contracção do sector petrolífero em cerca de 2%.
No decurso da implementação do PDN 2023-2027, o Executivo pretende implementar a plataforma de gestão dos serviços do centro de emprego, procurando deste modo sistematizar e controlar os pedidos, ofertas e colocações de emprego, entre outros.
Para inverter os riscos, o Executivo angolano delineou o Programa de Reconversão da Economia Informal (PREI), com o objectivo de “definir e implementar uma resposta integrada à informalidade da economia, capaz de produzir mudanças estruturais a médio prazo, com base no conhecimento abrangente do fenómeno”.
Por: Pedro Samihombo