Em 2007, quando o mundo se preparava para a revolução dos smartphones e os veículos eléctricos permaneciam uma promessa distante, um jovem angolano concebeu uma solução tecnológica visionária que anteciparia o futuro da segurança automóvel.
A invenção consistia num sistema de segurança baseado em câmaras instaladas nos veículos, capaz de gravar imagens antes, durante e depois do movimento, com o objectivo de prevenir roubos, proteger os ocupantes e fornecer provas visuais em tempo real em caso de incidente. A ideia precede sistemas hoje amplamente adoptados por fabricantes como Tesla, BMW, Uber ou BYD.
O autor deste conceito foi Frederico Thoth Jorge de Miranda, então com apenas 22 anos. Estudante universitário, apresentou nos Estados Unidos da América o pedido de patente #US 11/710166, que descrevia a integração de câmaras em tempo real, activadas por eventos, para reforçar a segurança automóvel. A patente não chegou a ser concedida, tendo sido rejeitada por questões exclusivamente processuais. Contudo, o registo permanece público, como testemunho do engenho africano que se adiantou ao seu tempo.
O que Frederico de Miranda idealizou em 2007 é, actualmente, uma realidade dominante no sector automóvel. Sistemas de monitorização de condutores, gravação de incidentes, assistência à condução com recurso a inteligência artificial — todos partem do princípio que Miranda já antecipava: a imagem como ferramenta central de protecção e gestão do risco.
A sua proposta incluía funcionalidades que hoje são padrão: captação contínua de vídeo, activação automática em situações críticas e integração com o sistema de ignição do veículo. Elementos que, nos dias de hoje, são objecto de investimento avultado por parte de empresas tecnológicas e automóveis.
Apesar disso, Jorge de Miranda continua fora dos circuitos de inovação e financiamento. A sua história não é, infelizmente, uma excepção. Como noticiado pelo portal Business Inside Africa, o continente africano tem dado ao mundo inventores e projectos notáveis que, por falta de acesso a capital, redes jurídicas ou infra-estruturas adequadas, não chegam a ser valorizados ou desenvolvidos.
Casos como o de William Kamkwamba, do Malawi, que criou uma turbina eólica com materiais reciclados ainda em adolescente, ou Samson Oghenevwakpo, da Nigéria, cuja proposta de motor híbrido não conseguiu financiamento local, ilustram esta tendência preocupante: a inovação africana permanece, demasiadas vezes, invisível.
A originalidade da proposta de Miranda reside também no seu contexto. Embora concebida durante o seu percurso académico nos Estados Unidos, a invenção foi profundamente moldada pela realidade angolana — pelos riscos de segurança, pela ausência de meios de prova em acidentes e pela urgência em adaptar soluções tecnológicas ao ambiente urbano africano. Não era uma ideia de laboratório, mas sim uma resposta vivida a um problema concreto.
“Não estava a tentar estar à frente de nada”, afirmou Frederico de Miranda em entrevista ao Business Inside Africa. “Vi um risco e criei uma ferramenta. Nunca esperei que o mundo avançasse nessa direcção sem mim.”
Hoje, em 2025, quando África alberga a população mais jovem do planeta, os ecossistemas de inovação tecnológica continuam, em muitos países, subfinanciados e desarticulados. Isto leva a que ideias como a de Miranda só ganhem notoriedade quando implementadas por empresas multinacionais, anos depois, sem qualquer ligação ao seu autor original.
A patente submetida por Miranda há 18 anos é mais do que uma nota de rodapé na história da engenharia automóvel — é uma chamada de atenção. Representa aquilo que o continente tem capacidade para produzir quando o talento encontra condições para florescer.
Num momento em que empresas globais e investidores procuram diversificar as suas fontes de inovação, casos como este revelam a urgência de estruturar sistemas africanos que identifiquem, protejam e promovam inventores locais. O investimento não pode limitar-se às artes criativas ou às fintechs — deve incluir também áreas como a engenharia, a robótica, o design industrial e as ciências aplicadas.
O futuro da mobilidade inteligente pode muito bem ter tido o seu ponto de partida num jovem angolano com uma ideia ousada, demasiado avançada para o seu tempo — mas não para o nosso.
Fonte: Business Insider